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26/04/2021

Entenda o PL 504/2020 e por que ele merece repúdio

Em agosto de 2020, a Deputada Marta Costa (PSD) propôs um PL (Projeto de Lei) junto à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) para proibir qualquer publicidade com alusão a “preferências sexuais” e “movimentos sobre diversidade sexual” relacionados a crianças no estado de São Paulo.

O PL recebeu uma emenda da Dep. Janaína Paschoal com a proposta de alterar a previsão acima, passando a prever a proibição de qualquer publicidade com alusão a gênero e orientação sexual ou a movimentos sobre diversidade sexual direcionados a crianças e adolescentes. O projeto e a referida emenda receberam parecer favorável da Comissão de Constituição, Justiça e Redação e agora aguarda votação.

Como justificativa para a proposta, a Deputada Marta Costa considera que “o uso indiscriminado deste tipo de divulgação trariam real desconforto emocional a inúmeras famílias além de estabelecer prática não adequada a crianças que ainda, sequer possuem, em razão da questão de aprimoramento da leitura (5 a 10 anos), capacidade de discernimento de tais questões”.

Sem aprofundar na diferença existente entre publicidade e propagada e do cabimento ou não da segunda direcionada a crianças e adolescentes, a principal problemática em torno do PL 504/2020 é a violação de direitos e garantias individuais positivados na Constituição Federal, sobretudo a isonomia (igualdade material), a dignidade da pessoa humana e a liberdade de expressão. Isso, sem contar a nítida inconstitucionalidade formal, uma vez que somente à União compete legislar sobre propaganda comercial (Constituição Federal, artigo 22, inciso XXIX).

Não bastante, o projeto simplesmente desconsidera a existência de famílias ou mesmo de crianças e adolescentes LGBTQIA+ e, consequentemente, anula o sofrimento e o constrangimento a que essa parcela da população está submetida. Gera estigma, preconceito e discriminação, pois estimula a prática de condutas homotransfóbicas ao considerar a orientação sexual e a identidade de gênero como “práticas inadequadas”.

Acolher um projeto que apoia essa linha de pensamento, além de contrariar direitos constitucionais, vai contra todas as conquistas da comunidade LGBTQIA+ ao longo dos anos, significando verdadeiro retrocesso social.

Ressalte-se que a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) prevê em seu artigo 1.1 que compete aos Estados-Membros (dentre eles o Brasil) “respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social”. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, em seu Parecer Consultivo nº 24/2017, salientou que a orientação sexual, a identidade de gênero e a expressão de gênero são categorias protegidas pela CADH.

A publicidade desempenha um papel muito importante na sociedade atual, uma vez que utiliza como base para a produção de conteúdo a representação da sociedade. Diversas propagandas que eram comuns há algumas décadas, por exemplo, hoje não teriam espaço na sociedade, uma vez que muitas mudanças já ocorreram ao longo do tempo e a publicidade reflete essa transição.

Desse modo, omitir a diversidade sexual e de gênero nos meios de comunicação é abrir espaço para que as próximas gerações continuem discriminando pessoas LGBTQIA+, perpetuando o preconceito já existente a ponto de agravar ainda mais a situação de diversas pessoas que vivenciam essa realidade.

Em razão do conteúdo discriminatório, o PL 504/2020 vem colecionando diversas críticas, notas de repúdio e pareceres técnicos desfavoráveis encaminhados por importantes movimentos, bem como protestos em todo o Brasil por meio das redes sociais. Espera-se, com isso, alguma sensibilidade por parte dos Deputados para que a nefasta proposta seja rejeitada na própria ALESP.

Heitor Washington Villa

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