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19/06/2020

Nova Lei nº 14.010/2020 Dispõe Sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório no Período da Pandemia do Coronavirus.

A Lei nº 14.010/2020, publicada em 10 de junho de 2.020, altera diversas normas, em caráter transitório e emergencial, para a regulação de relações jurídicas de Direito Privado, com o objetivo de amenizar os impactos socioeconômicos causados pela pandemia, considerando como termo inicial dos eventos o dia 20 de março de 2020, conforme o Decreto Legislativo nº 6/2020 que decretou o estado de calamidade pública no país (a “Lei”).

A Lei foi resultado do Projeto de Lei nº 1.179/2020, de autoria do Senador Antônio Anastasia, objeto de discussão e emendas em ambas as casas do Congresso Nacional, bem como de vetos do Presidente. 

Foram vetados oito artigos que tratavam, dentre outros assuntos, sobre efeitos da resilição, resolução e revisão de contratos durante a pandemia; proibição da concessão de liminar em ações de despejo de imóveis urbanos até 30 de outubro de 2020; e poderes atribuídos ao Síndico de condomínios, tais como a restrição a utilização de áreas comuns e proibição da realização de reuniões ou festividades.

Os temas tratados pela Lei são os seguintes:

Prescrição e Decadência: ficam suspensos ou impedidos, conforme o caso, os prazos prescricionais e de decadência no período entre a entrada em vigor da Lei e 30 de outubro de 2020. A inclusão de dispositivo tratando da prescrição e decadência se justifica em razão das restrições impostas pelo isolamento social. É certo que dependente do rigor das restrições a parte e o advogado estarão impedidos de ajuizar ações judiciais antes do término do prazo prescricional em evidente prejuízo aos que efetivamente podem precisar do Poder Judiciário. Assim, nos parece correta a inclusão do dispositivo entre os artigos da Lei.

Pessoas Jurídicas de Direito Privado: Visando facilitar a tomada de decisões em tempos de isolamento, a Lei possibilita a realização da Assembleia Geral por meios eletrônicos até 30 de outubro de 2020. A manifestação dos participantes poderá ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, que permita a identificação do participante e a segurança do voto, e produzirá todos os efeitos legais de uma assinatura presencial.

Relações de Consumo: fica suspenso o direito do consumidor, conforme art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, de recusar injustificadamente a compra via entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e medicamentos. O aumento da capacidade de venda de produtos por meio de delivery é a alternativa que se apresenta diante do fechamento de estabelecimentos e a reclusão das pessoas. Neste cenário, o artigo 8º da Lei outorga segurança jurídica aos fornecedores, no que tange às vendas desses produtos essenciais. 

Usucapião: ficam paralisados os prazos para aquisição da propriedade imobiliária ou mobiliária por usucapião no período entre a entrada em vigor da Lei e 30 de outubro de 2020. Os breves comentários relacionados com a prescrição e a decadência também valem para justificar a inclusão do artigo que trata da usucapião. O objetivo novamente é proteger aquele que está impedido de adotar qualquer providência, mas de outro lado tem contra si a fluência dos prazos de prescrição e decadência. 

Condomínios Edilícios: O artigo 12 da Lei em comento, mais uma vez, busca viabilizar a reunião de pessoas para a tomada de decisões, por meio da utilização de recursos tecnológicos. Ou seja, pode o Síndico eleger o meio virtual para a realização da assembleia condominial, desde que seja possível garantir a identificação dos participantes e a segurança para a votação. Vale lembrar que toda e qualquer assembleia é soberana para a tomada de decisões, por isso, realizado o primeiro encontro, a assembleia poderá modificar a forma operacional proposta pelo Síndico para as próximas reuniões.

A ata da assembleia virtual não depende de assinatura físicas – até porque seria totalmente contraditório – o Síndico poderá declarar os votos colhidos, atestando, ao final, que todos os presentes consentiram com o teor da ata e com as aprovações finais da assembleia. 

No mais, o artigo também traz importante alternativa para os casos em que se mostrar inviável a convocação da assembleia virtual para a eleição de novo Síndico. O objetivo é evitar que o condomínio fique sem representante formal. Assim, basta a declaração Síndico acerca da impossibilidade de realizar a reunião virtual para eleição de novo Síndico para que o mandato em vigor, desde que vencido no período da pandemia, fique automaticamente prorrogado até 30.10.2020.

Regime Concorrencial: enquanto durar o estado de calamidade pública (i) não serão considerados infração à ordem econômica a venda de mercadorias injustificadamente abaixo do preço de custo e a cessão parcial ou total das atividades de uma empresa sem comprovação de justa causa; (ii) não será considerado como ato de concentração, para fins de submissão prévia às autoridades concorrenciais, a celebração de contratos associativos, consórcio ou joint venture, não ficando, porém, afastada a possibilidade de análise posterior ou de apuração de infrações de tais acordos que não forem realmente necessários ao combate ou mitigação das consequências da pandemia; (iii) as demais infrações à ordem econômica listadas no artigo 36 da Lei Concorrencial quando praticadas a partir de 20 de março de 2020 e enquanto perdurar o estado de calamidade pública deverão ser analisadas considerando-se as circunstâncias extraordinárias da pandemia.

Direito de Família e Sucessões: A prisão por dívida alimentícia é a única forma de prisão civil admitida no direito pátrio. Novamente buscando a segurança da população em razão do perigo de contágio, a Lei determina que, até 30.10.2020, o cumprimento de eventual prisão civil será exclusivamente em recolhimento domiciliar.

A Lei também determina a dilação dos prazos para a abertura e conclusão de inventários e partilhas de heranças. Mais uma vez, diante da grande dificuldade para a reunião de informações e documentos necessários ao procedimento de inventário (judicial ou extrajudicial), a norma é bem vinda para dar às pessoas um pouco de tranquilidade em momento de aflição e sofrimento.

Proteção de Dados: prorrogação da entrada em vigor dos artigos 52, 53 e 54 da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), referentes à aplicação das sanções administrativas nela previstas, para 1 de agosto de 2021.

Lembramos que, nos termos da Medida Provisória 959/2020 (“MP”), os demais artigos da LGPD entrarão em vigor em 3 de maio de 2021. Entretanto, a MP deve ser convertida em lei dentro do prazo legal, sob pena de perda de eficácia e prevalência do prazo original da LGPD de vigência a partir de 16 de agosto de 2020. 

Como se vê, ainda temos grandes incertezas quanto à entrada em vigor da LGPD, sem mencionar até o momento a Agência Nacional de Proteção de Dados (“ANPD”) ainda não foi criada. Entretanto, devemos ter em mente que a LGPD não deixará de entrar em vigor e que, mesmo sem a ANPD, o Ministério Público e o Poder Judiciário poderão tomar medidas visando seu cumprimento.

 

Renata Antiquera e Marco Otavio Bottino Junior, Sócios, e Amanda Lima, Advogada 

 

 

 

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