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28/09/2021

Lei obriga síndico a delatar violência doméstica

Ao menos 16 Estados e o Distrito Federal criaram regras nos últimos dois anos, alguns com aplicação de multas, o que acabou vetado em São Paulo. Norma entra em vigor em novembro, mas síndicos e moradores já fazem campanhas de conscientização.

Condomínios residenciais e comerciais estão obrigados por lei estadual a informar casos ou indícios de violência doméstica. Alguns até já usavam botão de socorro. Há dúvidas sobre como proteger denunciantes e punir descumprimento.

O governo de São Paulo sancionou lei que obriga condomínios residenciais e comerciais a informarem casos ou indícios de violência doméstica contra mulheres, crianças, adolescentes ou idosos. Ao menos outros 15 Estados e o Distrito Federal criaram regras similares nos últimos dois anos. Mas, antes mesmo dessas normas, síndicos e moradores já fazem campanhas de conscientização e adotam até botão de socorro. Para especialistas, a medida, na prática, traz desafios – desde evitar riscos para vítimas e denunciantes até o tipo de sanção por descumprimento.

A lei paulista, sancionada dia 15, passa a valer na segunda quinzena de novembro. Síndicos ou administradores deverão informar agressões ou suspeitas de violência em até 24 horas. Além disso, exige a fixação de cartazes, placas ou comunicados que divulguem a lei e orientem as denúncias. O governador João Doria (PSDB), porém, vetou multa, que havia sido aprovada pela Assembleia, sob argumento de que isso não seria competência do Estado.

Dos Estados que já têm a legislação, 11 – como Distrito Federal, Bahia e Pernambuco, com penas de até R$ 10 mil – preveem multa. A ausência da sanção financeira, para juristas, limita o alcance da lei (mais informações nesta página). Mas eles dizem que essas normas têm, sobretudo, função educativa, no objetivo de romper com a cultura de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.

Também tramita um projeto de lei nacional com previsão de cobrança ao síndico ou condomínio que descumprir a regra. A proposta, já aprovada no Senado, está na Câmara. Diante da pandemia e do isolamento social, houve alta das denúncias de violência doméstica e risco maior de subnotificação.

Para Elisa Costa Cruz, defensora pública do Rio, a atuação dos condomínios é essencial, uma vez que a violência doméstica ocorre em lugares privados. “A vida em condomínio permite alguns conhecimentos mais facilitados, seja porque você pode ouvir, seja porque os condôminos podem perceber as mudanças de comportamento”, argumenta.

Susto. Sirlei Damasio Barbosa, síndica de dois condomínios em Jundiaí (SP), enfrentou situação de violência entre moradores. Ela conta que o ex-marido de uma vizinha, de madrugada, conseguiu entrar no condomínio, pois a moradora havia esquecido de retirar o acesso dele na portaria. Ele invadiu o apartamento e cometeu uma série de agressões contra a ex e seu atual namorado. Além de destruir o local, ameaçou matá-los com uma faca.

Sirlei, que também mora no residencial, chamou a polícia e acionou a segurança patrimonial quando ouviu gritos. O porteiro, por sua vez, trancou todas as saídas do prédio até a chegada das autoridades. “Foi uma noite de terror, que só terminou com a perícia policial indo embora de manhã”, resume ela, que já viu episódios do tipo mais de uma vez e se sente insegura para agir. “Também sou mulher.”

Neste ano, Roger Prospero, síndico do Magic Condominium Resort, em Santo Amaro, zona sul da capital, fixou cartazes de incentivo à denúncia de violência doméstica e com informações sobre como agir. “Não tivemos relato de caso interno, mas nos preocupamos que as informações não cheguem por receio de denúncia”, explica ele, que também preparou disparos de informação em listas de transmissão do Whatsapp, preocupado com a alta de violência na pandemia.

Na opinião de Prospero, é preciso dar amparo aos síndicos na implementação da nova lei. “Gostaria que as autoridades públicas não se limitassem a promulgar a lei, deixando todos os envolvidos sem a devida orientação”, afirma.

Colocar cartazes e o disparo de e-mails informativos também foi uma medida proposta pela administradora de condomínios e imóveis Graiche, ainda no início de 2020. Luciana Graiche, vice-presidente do grupo, conta que o grupo também ofereceu uma cartilha aos síndicos, com orientações de como conscientizar moradores e como denunciar. Além disso, desenvolveram um botão de socorro para os mais de 90 mil condôminos atendidos por eles.

 

DEFENSORA PÚBLICA

Ao apertar o botão “Quero ajuda” no site ou no app do serviço condominial, a vítima acessa um formulário com perguntas simples. As respostas são enviadas à equipe do SOS Justiceiras, idealizado pela promotora de justiça Gabriela Manssur, que inicia contato via Whatsapp para prestar auxílio.

O ano de 2020 também foi de mais atenção para os condomínios de responsabilidade de Fernanda Françoso, na capital paulista. Violência doméstica virou assunto presente em todas as reuniões e assembleias com os condôminos. Além disso, a síndica dedicou-se a orientar todos os funcionários dos cinco residenciais que cuida, a contatar a polícia quando ouvirem “brigas mais calorosas”. “Os colaboradores precisam estar em sintonia”, afirma. Sobre a nova lei, Fernanda acredita que o síndico fica “um pouco vulnerável”, já que os vizinhos podem enxergar como “intromissão”.

A lei paulista ainda será regulamentada pela Secretaria de Segurança Pública. Procurada, a pasta não deu mais detalhes sobre a implementação da regra.

Denúncia e sigilo. Para Elisa, outros pontos negativos foram a ausência de incentivo mais forte para que outros vizinhos denunciem e uma regra de sigilo, que assegure que o condomínio, por meio do síndico ou administrador, receba a denúncia de forma anônima. “Olha o medo que as pessoas sentem. Muitas não se sentem seguras de que vão contribuir”, alerta a defensora.

 

Texto:

DANIEL TEIXEIRA / O Estado de S. Paulo

 

 

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