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20/10/2021

Você conhece a expressão “racismo recreativo”?

Premissas importantes

Para compreender o racismo recreativo, é preciso entender os conceitos de “preconceito”, “discriminação”, “racismo” e “discriminação racial”.

Preconceito é uma opinião precipitada, não baseada em dados objetivos. Implica na formulação de ideias sobre um indivíduo sem conhecê-lo. Embora a expressão atualmente esteja mais associada a um sentimento hostil, em sua origem abrangia qualquer julgamento sem fundamento.

Discriminação é o tratamento desigual, que visa separar pessoas ou grupos de pessoas, normalmente em razão de preconceito.

Racismo é a teoria que tenta estabelecer hierarquia entre raças (ou etnias). Sua prática constitui crime inafiançável e imprescritível no Brasil, conforme previsão da Constituição Federal (artigo 5º, XLII) e da Lei nº 7.716/1989.

Como define a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial promulgada no Brasil pelo Decreto nº 65.810/1969, discriminação racial é qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício no mesmo plano, (em igualdade de condição), de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de vida pública.

Racismo recreativo

O termo foi criado pelo jurista Adilson Moreira, autor do livro “O que é Racismo Recreativo?”, publicado em 2018, sexto título da coleção “Feminismos Plurais”, organizada pela filósofa Djamila Ribeiro.

Trata-se de uma prática de racismo disfarçada de “humor” e, por isso, pretensamente acobertada e muito difundida na sociedade. É apontado pelo autor como um projeto de dominação social característico da sociedade brasileira que encobre a hostilidade racial por meio do humor.

Dois exemplos recentes na mídia podem ser citados.

O primeiro envolve o processo que acusou o youtuber Júlio Cocielo por racismo devido ao (infeliz) comentário "Mbappé conseguiria fazer uns arrastão top na praia hein", sobre o jogador de futebol Kylian Mbappé, além de outras “piadas” de cunho racista divulgadas nas redes sociais do réu.

O segundo exemplo ocorreu no programa de entretenimento Big Brother Brasil 21, quando o participante Rodolfo fez um comentário hostil, com o intuito de fazer “humor”, sobre o cabelo de outro participante. A “piada” era ofensiva, pois ridicularizava o colega justamente por uma característica fenotípica.

O racismo recreativo no Judiciário

A sociedade finalmente começou a combater e expor o racismo nos dias atuais, depois de muito massacrar populações inteiras. Como consequência, o racismo recreativo já pode ser observado na jurisprudência brasileira.

Em 4 de maio, por exemplo, foi proferida uma decisão pela juíza do trabalho Renata Bonfiglio, da 27ª Vara do Trabalho de São Paulo, em que uma empresa de comunicação foi condenada a indenizar por danos morais uma publicitária que sofreu racismo recreativo.

A publicitária ofendida alegou no processo ter sido exposta a situação vexatória pela sua supervisora durante uma reunião virtual. A supervisora teria dito: “Estou com vontade de ver todo mundo e em breve irei marcar uma reunião para ver o rosto de todos. Quero ver se fulano cortou o cabelo e se a Rafa continua preta”.

Para caracterizar os fatos ocorridos e fundamentar a decisão, a juíza do trabalho usou o trecho de uma entrevista com o jurista Adilson Moreira e utilizou a expressão “racismo recreativo”, além de outros conceitos explorados pelo autor, como o de microagressão.

Conclusão

Observa-se, portanto, que o racismo pode se manifestar de muitas outras formas, além do discurso direto. Pode se esconder no “humor” e na “piada”, expressões que foram colocadas entre aspas neste texto, porque ofender alguém não tem graça nenhuma.

Qualquer ato que inferioriza ou ridiculariza uma pessoa ou um grupo de pessoas, não importando o seu objetivo, é considerado ofensivo, pois, além de contribuir para o retrocesso social, fere diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana, apontado como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil na Constituição Federal (artigo 1º, III).

 

Constitui-se objetivo fundamental do país, também segundo a Constituição Federal (artigo 3º, IV), promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Ou seja, é obrigação de toda a sociedade combater o racismo de qualquer forma em que se apresentar, arrancando do âmago dos indivíduos essa raiz contaminada.

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